Aura do "Encouraçado Potemkin"


A Aura do "Encouraçado Potemkin"
Acabamos de assistir no CineFilosofia do Colégio Poty o clássico Encouraçado Potemkin do diretor russo Eisenstein. Ontem havíamos assistido "Um homem com uma câmera" do Vertov e nossa reflexão estava voltada para saber se aquilo é arte ou propaganda em prol do regime soviético. Escrito desse jeito pode parecer um tanto desarticulada a questão, mas lemos "A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica", onde Walter Benjamin apresenta um "conceito" de aura e tambem reflete acerca da polêmica envolvendo Pintura vs Fotografia no século XIX e que foi substituída por uma ainda mais violenta entre Cinema vs Arte no século XX. Pensando sob esse prisma cabia buscar nos primeiros filmes exemplos de cinema considerado arte autônoma, algum de tipo de confirmação para essa tese. Nada desautoriza a falar do cinema como propaganda (nazista, comunista e, notadamente, capitalista), inclusive a partir dos filmes citados. Entretanto, considerando nossa época, onde o esbranquiçado Dunkirk é o blockbuster de guerra do momento, o filme de Eisenstein parece adquirir uma capacidade realista impressionante. Não tem um décimo dos efeitos de Nolan, e sua constituição parece ser um híbrido de música tonal ditando a sintaxe imagética, ou o contrário: a imagem determina o ritmo da música. A trilha foi sobreposta posteriormente (o filme é 1925, mas foi exportado com trilha em 1926; a verão mais atual traz música de Shostakovich), pois a obra parece filmada com essa possibilidade. Vale ressaltar, no entanto, que é um marco da montagem cinematográfica, da capacidade de apresentar um enredo complexo e de uma fotografia com abertura para essa junção de áudio e visual numa dimensão nova, uma mistura quase homogênea, ou uma linguagem, se quiserem.

Aura é um "conceito" confuso em Walter Benjamin. Designa uma singularidade tempo-espacial de um objeto, combinada com a estranha característica de parecer distante por mais perto que esteja. A reprodutibilidade técnica é uma faca de dois gumes: destruiu a tal da Aura, ao mesmo tempo vulgarizou a arte. O cinema, segundo o próprio Benjamin é uma arte que já nasce dentro da lógica da publicidade, um filme é confeccionado coletivamente e parido para dentro da sua própria exponibilidade e isso não apenas por razões comerciais.

É difícil aplicar o conceito de "Aura" ao Encouraçado Potemkin no sentido de que todo filme tem essa dificuldade. Explico: aura seria a autenticidade do "aqui e agora" da obra de arte, e não suas inúmeras cópias posteriormente comercializadas ou até cultuadas. O cinema não tem um "aqui e agora" original; ele se atualiza sempre que é exibido, e isso faz parte da sua gênese, do seu design e de seus objetivos. Porém, considerando a noção de clássico justamente como aquele artefato da cultura que diz coisas para além do seu tempo, a "aura" do filme de Eisenstein se manifesta. Uma estética simples e firme, realista. Poderíamos nos perguntar se o filme "clean" de Nolan, cuja ênfase sonora parece tambem ser destaque vai construir reputação similar ou se apaga depois de seus 15 min de fama. Ainda não assisti por isso não arrisco resposta. Mas "Potemkin" é realmente um colosso da criatividade humana; as imagens de paisagens, de mulheres e homens, de máquinas, são impressionantes. A atualidade da mensagem é igualmente importante: as coletividades precisam erguer-se num levante pelos seus direitos.

A cena do massacre da escadaria de Odessa merece todo apreço que espectadores do mundo todo sempre lhe conferiram: a tão homenageada cena do carrinho de bebê parece ser uma metáfora da condição humana em meio às revoluções. Revoluções são necessárias embora não saibamos onde elas nos levarão ou se sobreviremos ao rolar escada abaixo. Talvez seja essa, por fim, a aura de "Potemkin": revolucionário.

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